O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós.
JEAN-PAUL SARTRE

sexta-feira, 6 de julho de 2012

JÜRGEN HABERMAS - Ensaio Sobre a Constituição da Europa

 http://pt.wikipedia.org/wiki/J%C3%BCrgen_Habermas


Ensaio Sobre a Constituição da Europa é a última obra de Jürgen Habermas, com uma vasta obra editada, diversificada na sua temática: teoria política, sociologia, ética do discurso e crítica da razão.
Neste livro são tratadas questões na ordem do dia e mesmo decisivas, no sentido de melhorar a Europa e o Mundo, embora por muitos seja acusada de ser uma «fantasmagoria» normativa própria de um espírito utópico.
O filósofo alemão é um homem de inquietações e uma das suas inquietações é a imagem de uma «Europa sem Europa», procurando eliminar os bloqueios em relação a uma transnacionalização da democracia, colocando a unificação europeia no contexto de uma jurisdição democrática.
Em entrevista a Thomas Assheuer disse: «A minha maior preocupação é a injustiça social, que brada aos céus, e que consiste no facto de os custos socializados do falhanço do sistema atingirem com maior dureza os grupos sociais mais vulneráveis. Toda esta tragédia humana – este escândalo político, este darwinismo social, este programa de submissão desenfreada do mundo da vida aos imperativos do mercado – é acompanhada de um enfado com a política ao qual não é alheia a ascensão ao poder de uma geração desarmada em termos normativos, incapaz de assumir objetivos, causas e esperanças».
Num quadro de crise política, económica e social, onde muitos, já foram duramente atingidos, que fazer? Como ultrapassar a política ridícula e hipócrita da «normalidade social»? Como ultrapassar o flagrante fracasso europeu? Habermas sugere o caminho: «pensar a pessoa, pensar a sua dignidade, pensar os povos»!
A crise da União Europeia à luz de uma constituição do direito internacional permite a Jürgen Habermas tentar uma narrativa nova, no seu livro, a partir da perspetiva de uma constitucionalização do direito internacional.
«O debate atual sobe a Europa restringe-se e continua a restringir-se às saídas imediatas para a crise bancária, monetária e da dívida, perdendo de vista a dimensão política: os conceitos políticos incorretos ocultam a força civilizadora da jurisdição democrática e o compromisso desde o princípio ao projeto constitucional europeu. Políticos e economistas colocados perante a única saída possível - «Mais Europa» - insistem nos conhecidos erros da construção da União Europeia. «Mais Europa» implica um aprofundamento das competências e não o caminho saturado de um existencialismo político errante que vai desde os compromissos assumidos em cimeiras, ineficazes e não democráticas, até à aceleração da «perda de solidariedade a nível europeu». Mais do que isso olham para os ditames dos grandes bancos e agências de notação e não para o desfalque legitimatório perante as suas próprias populações. Em vez de levar a sério um projeto europeu, opta-se por caminhos ínvios».
Como sintetiza Habermas: «instalou-se um estranho fenómeno de acatalepsia onde se mistura ceticismo, dúvidas não metódicas, incapacidade de compreender. As elites político-económicas sentem-se confortáveis com incrementalismos, mas teimam em não assumir a força civilizadora do direito democrático. Tão pouco parecem compreender o «regresso da questão democrática», sendo óbvio que os Estados pagam a governação baseada na intergovernabilidade com o decréscimo dos níveis de legitimação democrática». Segundo Habermas: «o espaço de manobra da autonomia cívica só não fica reduzido se os cidadãos em causa participarem na legislação supranacional em coo-questões – de direito constitucional, internacional e de direito europeu – quanto a este processo de jurisdição».
É sabido que três instâncias – cidadãos, povo, estado – são convocadas de forma muito diversa para explicar concetualmente a estruturação constituinte da União Europeia. Por amor ao Estado, alguns enfatizam o patriotismo nacional e identificam constituição com estado. Outros, navegando no cosmopolitismo sem fronteiras, preferem esquemas de regulação global para além do estado-nacional, os cidadãos da União Europeia devem ter um interesse legítimo em que o seu Estado nacional continue a desempenhar o papel comprovado de garante do direito e da liberdade, mesmo quando assume o papel de Estado-Membro. É importante o papel atribuído aos Estados como neutralizadores de «evolução reacionária» ou de «retrocesso social». Os Estados nacionais são mais do que a mera materialização de culturas nacionais dignas de preservação; eles garantem um nível de justiça e liberdade que os cidadãos desejam, com toda a razão, ver preservado».
«Qualquer acordo institucional deve acentuar as dimensões profundas democrático-igualitárias veiculadoras de solidariedade entre «cidadãos dispostos a responsabilizar-se uns por outros» e a assumir a disponibilidade para também fazer sacrifícios, com base numa reciprocidade de longo prazo. «O facto da União Europeia ter sido, até agora, essencialmente sustentada e monopolizada por elites políticas, gerou uma assimetria perigosa entre a participação democrática dos povos naquilo que os seus governos «conquistam» para eles no palco de Bruxelas – que consideram muito longínquo – e a indiferença, se não mesmo desinteresse, dos cidadãos da União no que diz respeito às decisões do seu Parlamento, em Estrasburgo. Todos sabemos: com indiferença, desinteresse e distância não se constroem democracias – muito menos transnacionais. O resultado é um «buraco negro», vulgarmente designado por «déficite democrático» da União Europeia. Este «déficite» corre o risco de se converter num arranjo para o exercício de um domínio pós-democrático e burocrático».
«A crise do euro pôs a claro o «clube dos ilusionistas» e revelou os pontos fracos do Tratado de Lisboa. Este Tratado não dota a EU de meios para enfrentar os desafios que se lhe colocam enquanto União Económica e Monetária. O que é preciso não é apenas ultrapassar as barreiras institucionais, mas exigir uma alteração radical no comportamento das elites políticas. È necessário uma coesão política reforçada pela coesão social, para que a diversidade nacional e a riqueza cultural incomparável do biótopo – velha Europa – possam ser protegidas no seio de uma globalização que avança rapidamente».


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