O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós.
JEAN-PAUL SARTRE

quinta-feira, 15 de março de 2012

QUASE

Um pouco mais de sol - eu era brasa, 
Um pouco mais de azul - eu era além. 
Para atingir, faltou-me um golpe de asa... 
Se ao menos eu permanecesse aquém... 
Assombro ou paz?  Em vão... Tudo esvaído 
Num grande mar enganador de espuma; 
E o grande sonho despertado em bruma, 
O grande sonho - ó dor! - quase vivido... 
Quase o amor, quase o triunfo e a chama, 
Quase o princípio e o fim - quase a expansão... 
Mas na minh'alma tudo se derrama... 
Entanto nada foi só ilusão! 
De tudo houve um começo ... e tudo errou... 
- Ai a dor de ser - quase, dor sem fim... 
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim, 
Asa que se enlaçou mas não voou... 
Momentos de alma que, desbaratei... 
Templos aonde nunca pus um altar... 
Rios que perdi sem os levar ao mar... 
Ânsias que foram mas que não fixei... 
Se me vagueio, encontro só indícios... 
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas; 
E mãos de herói, sem fé, acobardadas, 
Puseram grades sobre os precipícios... 
Num ímpeto difuso de quebranto, 
Tudo encetei e nada possuí... 
Hoje, de mim, só resta o desencanto 
Das coisas que beijei mas não vivi... 
Um pouco mais de sol - e fora brasa, 
Um pouco mais de azul - e fora além. 
Para atingir faltou-me um golpe de asa... 
Se ao menos eu permanecesse aquém... 
Mário de Sá-Carneiro

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