O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós.
JEAN-PAUL SARTRE

quinta-feira, 29 de março de 2012

HOMENAGEM A MILLÔR FERNANDES (1923-2012)


Poeminha sobre o Trabalho




Chego sempre à hora certa, 
contam comigo, não falho, 
pois adoro o meu emprego: 
o que detesto é o trabalho. 

Poeminha sobre o Tempo

O despertador desperta, 
acorda com sono e medo; 
por que a noite é tão curta 
e fica tarde tão cedo? 

Poeminha de Insatisfação Absoluta

O que me dói 
É que quando está tudo acabado 
Pronto pronto 
Não há nada acabado 
Nem pronto pronto 
Pintou-me a casa toda 
Está tudo limpado 
O armário fechado 
A roupa arrumada 
Tudo belo, perfeito. 
E no mesmo instante 
Em que aperfeiçoamos a perfeição 
Uma lasca diminuta, ténue, microscópica, 
Não sei onde, 
Está começando 
Na pintura da casa 
E as traças, não sei onde, 
Estão batendo asas 
E a poeira, em geral, está caindo invisível, 
E a ferrugem está comendo não sei quê 
E não há jeito de parar. 


Poeminha Compensatório

Amigas, venham todas 
Tragam o sal, o sol, o som, a vida, 
O riso, a onda. 
Eu sou o Cavalheiro da Triste Figura 
Mas tenho uma bela Távola Redonda 

Saio sempre do cinema 
Com o sentimento desagradável 
De que, se não houvesse lido a 
Crítica, teria sido formidável! 

Poeminha Tentando Justificar Minha Incultura
Ler na cama 
É uma difícil operação
 
Me viro e reviro
 
E não encontro posição
 
Mas se, afinal,
 
Consigo um cómodo abandono,
 
Pego no sono.
 



Millôr Fernandes, in "Pif-Paf"

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