O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós.
JEAN-PAUL SARTRE

segunda-feira, 21 de março de 2011

DIA DA POESIA

Sobre um Poema


Um poema cresce inseguramente

na confusão da carne,

sobe ainda sem palavras,

só ferocidade e gosto,

talvez como sangue

ou sombra de sangue

pelos canais do ser.

.

Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência

ou os bagos de uva de onde nascem

as raízes minúsculas do sol.

Fora, os corpos genuínos e inalteráveis

do nosso amor,

os rios, a grande paz exterior das coisas,

as folhas dormindo o silêncio,

as sementes à beira do vento,

- a hora teatral da posse.

E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

.

E já nenhum poder destrói o poema.

Insustentável, único, invade as órbitas,

a face amorfa das paredes,

a miséria dos minutos,

a força sustida das coisas,

a redonda e livre harmonia do mundo.

.

- Em baixo o instrumento perplexo

ignora a espinha do mistério.

- E o poema faz-se contra o tempo e a carne.

Herberto Helder


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