O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós.
JEAN-PAUL SARTRE

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

«PASSEANDO» PELO «O BANQUETE» DE PLATÃO!

Sobre o amor há um clássico, de leitura aconselhada, num conjunto de outras leituras que se perdem no tempo e sempre são de consulta, num contexto de cultura e mentalidades. Refiro-me ao BANQUETE (SIMPÓSIO=SUMPÓSION), de Platão, de 380 a.C.
O BANQUETE lança várias ideias e eu considero que o tema do amor não é estanque, nem definitivo, com a possibilidade sempre aberta de surgir mais uma voz a contestar ou a acrescentar. Não sou uma pessoa de certezas e até fico bastante perplexa com pessoas de certezas, vejo a vida no seu todo como algo fluído, um oceano intranquilo, avançando e recuando…
Diotima de Mantineia existiu não existiu? Uns dizem ter sido uma filósofa do amor muito influente, outros consideram que apenas existiu na mente de Sócrates. É nomeada no livro Banquete de Platão, um influente diálogo sobre o amor. O Banquete, acontece na casa de Agaton, poeta trágico ateniense. Diotima não estava presente, mas é referida por Sócrates, que disse que a encontrou em jovem e com ela aprendeu porque é que as pessoas amam, o que pretendem do amor e como o amor consegue perfurar as nuvens da ignorância e da ilusão humana, para proporcionar a iluminação. O amor transcende o que os olhos podem ver!
A palavra grega fundamental é Eros, da qual deriva o erotismo, mas os gregos pensavam que o desejo erótico era uma força que impregnava a vida sob todas as formas. Nota-se isso na obra de Homero, eros impelia o homem a tornar-se corajoso. Assim como quando uma mulher bela chora nos poemas de Safo, a causa do sofrimento é eros, por despertar nela o amor pela beleza impossível. Platão imaginava a amizade filosófica a cultivar uma tal joie de vivre que as almas gémeas podiam criar asas e erguer-se ao céu, inspiradas por eros. Eros era para os gregos, um intermediário entre deuses e homens.
No Banquete há vários intervenientes a discursar sobre o amor. Fedro, um jovem retórico, apresenta a versão homérica do amor, que encontra a sua expressão mais elevada nos actos de auto-sacrifício, dos que morreram na guerra dando a vida pelos outros. Pausânias, amante de Agaton, analisa de que modo o amor difere da concupiscência. Defende o amor permanente, de corpo e alma, a concupiscência é a gratificação sexual. Erixímaco, como médico, faz uma abordagem científica, o amor não exerce influência apenas na alma, mas dá ainda harmonia ao corpo. Defende a teoria do Universo, onde o amor une o mundo e o ódio o separa, sendo a vida ideal o equilíbrio físico e psicológico. O comediante, Aristófanes apresenta a ideia brilhante de que o amor representa a procura da metade perdida. Faz uma denúncia da insensibilidade dos homens para com o poder miraculoso de Eros. Para conhecer esse poder, é preciso antes conhecer a história da natureza humana e passa a narrar o mito da nossa unidade primitiva e posterior mutilação. Segundo Aristófanes, havia inicialmente três géneros de seres humanos, que eram duplos de si mesmos: o género masculino masculino, o feminino feminino e o masculino feminino, o qual era chamado de andrógino.
Assim, aqueles que foram um corte do andrógino, sejam homens ou mulheres, procuram o seu contrário. Isto explica o amor heterossexual. E aquelas que foram o corte do feminino ou do masculino, procurarão se unir ao seu igual. Aqui Platão apresenta uma explicação para o amor homossexual. Quando estas metades se encontram, sentem as mais extraordinárias sensações, intimidade e amor, a ponto de não quererem mais se separar, e sentem a vontade de se "fundirem" novamente num só. O amor para Aristófanes é portanto o desejo e a procura do todo perdido. Agaton ao contrário dos que o precederam canta o próprio deus e a sua essência.
Chega a vez de Sócrates que se refere a Diotima. Ela tinha-lhe dito que o amor podia ser mais que a compensação para o facto de o humano acarretar com a solidão, e mais que um ingrediente na amálgama que forma uma boa vida. O amor é ao mesmo tempo, poderoso e assustador. É o desejo que pode conduzir-nos às aspirações mais elevadas, ou mergulhar-nos nos medos mais profundos. Entregámo-nos aquilo que amamos, embora seja também o que mais tememos perder. Pode apurar o carácter, ou engolir-nos. Pode despertar um anseio pelo que é belo e bom, assim como impelir-nos para o que é carnal e corrupto. O amor pode colocar-nos numa senda virtuosa que, sobe em direcção a sugestões de transcendência, ou fazer-nos voar numa espiral viciosa em direcção à perda. No êxtase, pode fazer com que as pessoas saiam de si em direcção à vida em toda a sua plenitude. Como obsessão, pode virá-las contra si mesma e ser até causa de morte. Uma coisa é certa: a partir do momento em que vemos o poder do amor, a vida nunca mais parece igual.
Se o amor é tão extraordinário, como poderá ser domado, alimentado ou controlado? Diotima disse que era uma questão de sexo. Não exaltava a virgindade nem defendia o celibato, mas pensava que, no sexo, menos é provavelmente mais. O sexo não devia ser equiparado ao amor, porque os prazeres carnais não passam do eco dos deleites espirituais. O grande risco, no caso do sexo, é que é tão irresistível e cheio de promessas, que as pessoas ficam agarradas a ele. A sua energia devia ser sublimada na procura de um amor mais elevado, que tivesse menos a ver com posse e mais com contemplação.
Diotima era uma sacerdotisa e a sua visão de amor era religiosa. Este é de facto um amor, para mim complexo e inacreditável, que em todas as épocas muitos sentiram e continua a ser cultivado. O amor a algo transcendente, independentemente da religião em si e do que é amado. O «espírito religioso» de veneração a algo superior, que se pensa estar sempre presente, que tudo sabe, que pode intervir na vida de cada um, que um dia fará justiça…etc…etc…Que é afinal resultado da ignorância sobre o fundamental, que as explicações científicas não clarificam e que motiva uma frase muito recorrente desde sempre: DE ONDE VIMOS, O QUE SOMOS E PARA ONDE VAMOS!
A questão está em ter ou não ter fé! Como não tenho fé, «só sei que nada sei», como dizia Sócrates e não sei em que fase da sua vida a disse, se antes ou depois de conhecer Diotima!..
Platão coloca o seu apontamento crucial sobre o conceito de amor, onde o que se ama é somente aquilo que não se tem. E se alguém ama a si mesmo, ama o que não é. O objecto do amor sempre está ausente, mas sempre é solicitado. A verdade é algo que está sempre mais além: sempre que pensamos tê-la atingido, ela nos escapa entre os dedos e continua a inquietação da procura.
Segundo relatos do texto de Platão e de alguns de seus companheiros, o amor é um dos maiores bens do homem (junto com o inteligência e a sabedoria) e não é nem bom nem mau em si mesmo. O amor está relacionado com a verdade, amar não é somente exercer o poder sobre alguém ou demonstrar força, mas saber ser correspondido, ou seja, ser verdadeiro.
No meu ponto de vista, «falar» de amor é falar a priori do relacionamento espírito/carne entre duas pessoas! O sentimento afectivo tem graduações, inicialmente provoca o choque da paixão, o exacerbamento e depois pode continuar mais tranquilo ou quedar-se!
Pode ter como objectivo gerar filhos (ou não) e depois vem o amor dos pais pelos filhos e dos filhos pelos pais e o amor pela família! Manifesta-se também como uma energia da alma e do corpo para atingir certos fins, defender causas, ter ideais, ser criativo…pode mudar o mundo!
Chama-se também «amor» ao desejo de posse (a palavra amor está muito vulgarizada), como de qualquer outro bem material e transitório e pode ter outras motivações: vaidade, inveja, ambição, luxúria, satisfação do ego, como acontece quando o ego se sobrepõe a tudo e tudo é: «para usar e deitar fora»!

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