O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós.
JEAN-PAUL SARTRE

sábado, 20 de novembro de 2010

POESIA DE ANNE SEXTON


QUANDO O HOMEM ENTRA NA MULHER
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Quando o homem entra na mulher,
como a onda batendo contra a costa,
de novo e de novo,
e a mulher abre a boca com prazer
e os seus dentes brilham
como o alfabeto,
Logos aparece ordenhando uma estrela,
e o homem dentro da mulher
ata um nó de modo que nunca
possam voltar a separar-se
e a mulher sobe a uma flor e engole o seu caule
e Logos aparece e solta os seus rios.
Este homem,esta mulher,com a sua dupla fome,
tentaram atravessar a cortina de Deus,
e por um instante conseguiram,
ainda que Deus na Sua perversidade
desate o nó.
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PALAVRAS
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Tem cuidado com as palavras
mesmo as milagrosas.
Pelas milagrosas nós fazemos o melhor possível,
por vezes são como uma multidão de insectos
que não nos deixam uma picada mas um beijo.
Podem ser tão boas como dedos.
Podem ser tão seguras como a rocha onde te sentas.
Mas também podem ser ao mesmo tempo margaridas e [amachucadas].
Contudo, estou apaixonada pelas palavras.
São pombas que caem do tecto.
São seis laranjas santas pousadas no meu regaço.
São as árvores, as pernas do verão,
e o sol, o seu impetuoso rosto.
No entanto, falham-me com frequência.
Eu tenho tantas coisas que quero dizer,
tantas histórias, imagens, provérbios, etc.
Mas as palavras não são suficientemente boas,
as erradas beijam-me.
Por vezes voo como uma águia
mas com as asas de uma carriça.
Mas tento ter cuidado e ser amável com elas.
As palavras e os ovos devem manipular-se com cuidado.
Uma vez partidas há coisas impossíveis de reparar.
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DEPOIS DE AUSCHWITZ
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Raiva tão negra como um gancho,alcança-me.
Cada dia, cada nazi pega, às oito da manhã,
num bebé e serve-o ao pequeno-almoço com pão frito.
E a morte olha despreocupada
e limpa a sujidade que tem debaixo das unhas.
O homem é maldade, digo em voz alta.
O homem é uma flor que poderia ser queimada,
digo em voz alta.
O homem é um pássaro cheio de barro
digo em voz alta.
E a morte olha despreocupada e arranha o ânus.
O homem, com seus pequenos e rosados dedos dos pés,
com seus dedos milagrosos
não é um templo mas um anexo,digo em voz alta.
Que o homem nunca mais levante A sua chávena de chá.
Que o homem nunca mais escreva um livro.
Que o homem nunca mais calce um sapato.
Que o homem nunca mais eleve os seus olhos
numa suave noite de Junho.
Nunca. Nunca. Nunca. Nunca. Nunca.
Digo isto em voz alta.
E suplico ao Senhor que não ouça.
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Versão dos poemas “When man enters woman”, “Words” e “After Auschwitz” de Anne Sexton
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OS BOMBARDEIROS
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Nós somos a América.
Somos os enchedores de caixões.
Nós somos os merceeiros da morte.
Nós empacotamo-los como se fossem couves-flor.
A bomba abre-se como uma caixa de sapatos.
E a criança?A criança certamente não boceja.
E a mulher?A mulher lava o seu coração.
Foi-lhe estropiado e, porque está queimado,
num acto derradeiro,ela enxagua-o no rio.
Este é o mercado da morte.
América,onde estão as tuas credenciais?

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BONECAS
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Bonecas,aos milhares,estão a cair do céu
e eu olho para cima com medo
e pergunto-me quem as irá apanhar?
As folhas, segurando-as como pratos verdes?
Os charcos, abertos como copos de vinho
para as beber?
Os topos dos edifícios para se esmagarem nas suas barrigas
e deixa-las ali para ganhar fuligem?
As auto-estradas com as suas peles duras
para que sejam atropeladas como almiscareiros?
Os mares, à procura de algo que choque os peixes?
As cercas eléctricas para lhes queimar os cabelos?
Os campos de milho onde podem estar sem ser colhidas?
Os parques nacionais onde séculos mais tarde
Serão encontradas petrificadas como bebés de pedra?
Eu abro os braços e apanho uma,duas,três…
dez ao todo a correr para a frente e para trás
como um jogador de badmington,
apanhando as bonecas,
os bebés onde eu pratico,
mas outras estilhaçam-se no telhado
e eu sonho, acordada, eu sonho com bonecas a cair.
que precisam de berços e cobertores e pijamas,
com pés verdadeiros
Porque é que não há uma mãe?
Porque é que estas bonecas todas estão a cair do céu?
Houve um pai?
Ou os planetas cortaram buracos nas suas redes
e deixaram a nossa infância sair,
ou somos nós as próprias bonecas,
nascidas mas nunca alimentadas.

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