O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós.
JEAN-PAUL SARTRE

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

FRAGMENTOS DE UM DISCURSO AMOROSO - (1977) de Roland Barthes



Este ensaio causou muita polémica e levanta várias questões sobre o amor, escrito numa época em que a sexualidade ou até mesmo a pornografia ditavam a lei, muito de acordo com o presente, apesar de terem passado 33 anos.
Barthes, foi ao século XIX, onde a paixão era algo importante na psicologia e referiu o Werther de Goethe. O romance que desencadeou uma famosa vaga de suicídios. Hoje este tipo de amor está fora de moda, nos meios intelectuais é pouco abordado, a não ser com algum gracejo e troça, depreciando o sujeito apaixonado, que é considerado um lunático e um louco. A nível mais popular, fala-se de amor à boca-cheia, aparece em todas as canções e novelas, há uma certa apetência para isso, mas no fundo é sempre assim algo exagerado e piegas.
O amor-paixão é considerado como uma doença, que há que curar, não é mais um enriquecimento, como acontecia no século XIX, em que se notava bem as poses de um apaixonado. Hoje já não são reconhecíveis, podemos encontrar-nos com alguns na rua, mas nada têm de característico. O objecto amado, é uma pessoa, que o apaixonado despersonaliza, uma imagem criada de uma forma muito pessoal, um objecto único. A atracção súbita, o «enlevo», é provocada por uma imagem, uma imagem viva, uma imagem em acção.
A paixão, para muitas pessoas actualmente, equivale ao «grande amor», que dura toda a vida. O apaixonado de Barthes concordaria com o «grande amor», mas para ele «toda a vida» não tem sentido, porque ele encontra-se num absoluto do tempo. Este apaixonado está sempre a caminho de um sofrimento ao qual nunca escapa. O sofrimento é uma espécie de valor, algo que é puro e isento de qualquer falta. O desgosto de amor está implícito. O bom senso diz que há um momento em que se tem que largar o «estar apaixonado» e «amar». Põe-se de parte os logros, ilusões, dominações, cenas, dificuldades…Para aceder a um sentimento mais pacificado, mais dialéctico, menos ciumento, menos possessivo. O sofrimento do apaixonado implicitamente está ligado ao «grande ciúme». Presentemente o ciúme pode existir, mas não é tão acentuado, podemos até ficar surpreendidos, com uma espécie de partilha entre vários ou de cada um tem a sua vida.
Barthes considera que é possível amar várias pessoas ao mesmo tempo, considera que é até algo «delicioso», estar mergulhado num clima de amores múltiplos, de flirt generalizado, mas essa situação não pode durar muito, em determinada altura há uma cristalização, quando o apaixonado mergulha na paixão. Acabam os devaneios, o apaixonado foi agarrado por uma força tirânica, só que ele também é uma força tirânica para o alvo da sua paixão. Não é agradável amar e ser amado desta forma. O apaixonado quer combater isto e não consegue, tem consciência que é uma humilhação e ao mesmo tempo pode sofrer por submeter a outra pessoa. Na realidade está demasiado «agarrado» pela sublimação.
Um apaixonado pode ser considerado um «pateta», porque vive numa des-realidade, a realidade para ele é uma ilusão. Tudo que diverte os outros, as suas conversas, as suas indignações, não lhe dizem nada. O seu real é a sua relação com o objecto amado e fica alienado de tudo o mais ou não lhe dá grande importância. Facilmente nesta inversão sente-se um inadaptado social, pode ter reacções estranhas e as outras pessoas consideram-no um idiota. «O amor é cego», de uma certa maneira sim, o apaixonado conjuga aspectos de neurose e de psicose: é um atormentado e um louco. Fica cego!
Roland Barthes numa entrevista, foi inquirido sobre a sua experiência. Para escrever este ensaio, baseou-se em casos da sua vida, em experiências de outras pessoas, em livros, mas depois confessou que teve também uma cristalização e que escreveu o livro para não se perder, não cair no desespero, porque a escrita tem o maravilhoso poder da pacificação. Desculpou-se de certo modo dizendo que não era uma unidade em si e a moral que quis passar era de afirmação: Não nos devemos deixar impressionar pelas depreciações de que o sentimento amoroso é objecto. É preciso afirmar. É preciso ousar. Ousar amar…
Barthes acabou por dizer que mesmo em épocas de paixão mais moderada, ninguém está imune de ser agarrado, mas o melhor é mesmo «amar».

2 comentários:

  1. Tenho um especial apreço por este ensaísta francês, nomeadamente, pelas suas duas obras que acho fundamentais (Mitologias e Frgmentos de um Discurso Amoroso).
    Conheço poucos Blogs sobre artes & letras, mas até agora, o seu é "único", sem par.

    * Do Blog CENAS GAGAS

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  2. Agradeço Zé Alberto as suas palavras estimulantes.
    Também tenho um apreço especial pelo ensaísta Roland Barthes e às vezes apetece reler.
    Manu Castro

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